À conversa com João Bernardo, criador do blog "Sair a Jogar" e Treinador na Geração Benfica Matosinhos.
-Antes de mais deixa-me dizer que é um prazer ter-te novamente no blog para mais uma conversa.
JB- O prazer é todo meu.
-
Aquando do fim da época 2015/2016 que balanço fazes do campeonato nacional?
JB- Faço um
balanço relativamente positivo, porque houve alguma qualidade. Confesso que no
Verão nunca pensei que o Benfica fosse ser campeão, para mim a luta ia ser até
à última jornada entre Porto e Sporting. O Porto porque era o único dos 3
grandes com um treinador que tinha um ano de trabalho em cima. O Sporting
simplesmente porque tinha Jorge Jesus. Um conjunto de fatores fizeram com que
os papéis se invertessem. Falo, por exemplo, da construção do plantel do Porto,
que comparativamente ao do ano passado é muito inferior, e que a juntar a isso
mudou de treinador a meio da época, numa altura em que para mim já não fazia
qualquer sentido que assim fosse. Aqui o Porto ficou logo arrumado, porque a
chegada de um novo treinador implica novas ideias, novas aprendizagens, novas
formas de lidar com o treino, e sobretudo, implica tempo, muito tempo para que
o treinador possa operacionalizar bem o que quer. Não me parece que haja tempo
para muita coisa no decorrer de uma época para quem chega assim de repente,
muito menos num clube como o Porto, que ainda estava em várias frentes, logo o
volume de jogos era alto e, por consequência, o de treino era reduzido. O
Sporting foi a equipa melhor trabalhada em Portugal, como seria de esperar de
quem tem Jorge Jesus. Ganharam 6 de 7 clássicos durante o ano todo, e o que
perderam foi a falhar golos de baliza aberta. O problema do Sporting nunca foi
o futebol jogado, foi o extrafutebol. As palavras de Jesus sobre Rui Vitória
causaram muita raiva e vontade de vencer no balneário do Benfica, os jogadores
sentiram-se atacados com o ego enorme de Jesus. Basicamente o Sporting foi fora
do campo o oposto daquilo que é dentro dele, foi péssimo na comunicação e Jorge
Jesus roçou o ridículo. Continuo a admirá-lo muito e vai ser sempre uma
referência, mas só no que toca ao jogo, porque fora de campo é o oposto da
minha forma de estar. Rui Vitória herdou uma equipa com 6 anos de trabalho em
cima, trabalho do melhor que se faz no mundo. Começou mal, com os
comportamentos a desvirtuarem-se daquilo que tinha sido a excelência dos
últimos 6 anos, mas aos poucos foi conseguindo trabalhar, os adeptos foram
pacientes, ao contrário do que se passa no Porto, e, por isso, houve evolução.
Muito respeito pelo que Rui Vitória fez quanto a chegada à equipa A de alguns
jogadores. É impossível falar deste campeonato sem que se fale do Braga de
Paulo Fonseca. É um treinador cada vez mais preparado para voltar a um grande e
ser campeão, se lhe deram condições para isso. Não é o mesmo que era nos tempos
do Porto, a passagem por Paços de Ferreira fez-lhe muito bem. Teve muita humildade
e refletiu sobre tudo, sobre o que foi bom e o que foi mau, e é com essa
capacidade de autocritica que um treinador evolui. Uma postura e uma forma de
estar no futebol invejável, sempre a por a equipa à frente de tudo. Muita
qualidade nos comportamentos da sua equipa, sempre com a mesma organização
independentemente de qual fosse o 11 titular. Quanto ao resto, há treinadores e
clubes que merecem uma nota de destaque. Um obrigado a Julio Velázquez pela
coragem, pela personalidade e pelo perfume que trouxe ao seu Belenenses, nunca
abdicando de jogar, seja contra quem for. Ao Arouca, os meus parabéns, embora
me identifique pouco com Lito Vidigal. Ao Paços de Ferreira, que para além de
continuar a ser uma casa de bons treinadores, é um clube que continua a não ter
medo de ser bem-sucedido a recorrer à formação. Certamente que me esqueci de
alguém, mas estes sem dúvida merecem.
-
Pessoalmente alcançaste um objetivo importante durante este ano, deste um passo
importante numa possível futura carreira de treinador. Como te sentes em
relação a isso?
JB- Sim, este
ano tive a oportunidade de fazer parte da estrutura da Geração Benfica
Matosinhos, nas funções de treinador. Tem sido um ano de muitas aprendizagens,
foi a minha primeira experiência ao nível de treino. Evolui-se muito no
terreno, em contacto com os miúdos, a sermos obrigados a pensar rápido para dar
feedback, a estar condicionados com fatores que não conseguimos controlar e que
influenciam o treino, a ter que dividir o feedback com os pais que também
gostavam de estar na nossa posição, evolui-se mesmo com tudo. É completamente
diferente dar um treino a sub-6 e passados dois dias dar a sub-11. Muda tudo,
os objetivos de treino são completamente diferentes e por isso o nosso
comportamento também é diferente. Tudo é estimulante para a evolução. Eu acho
que se evolui de diferentes formas com todas as idades e eu tenho tido a sorte
de já ter convivido com todas as equipas, mesmo que por pouco tempo com algumas
delas. Este ano já treinei rapazes e raparigas dos 4 aos 16 anos, por isso ao
nível dos estímulos foi bom para evoluir em muita coisa, mas o caminho ainda é
muito longo. Tenho dado bons passos a cada ano que passa, este ano dei mais um.
Para o ano quero dar outro, não posso parar.
-
Guardiola no City... Temos novo campeão inglês?
JB- Espero
sinceramente que sim, e não consigo aceitar um não como resposta porque as
minhas expectativas em relação ao Guardiola são sempre as mais altas. Vamos ver
como é que vai encarar o campeonato e que plantel lhe vão dar. Espero que se
distancie daquilo que tinha vindo a jogar com o Bayern, gostava de lhe dessem
jogadores para ele jogar o jogo que eu gosto, um jogo mais interior e com mais
pausa. No Bayern era difícil porque não tinha muitos jogadores com essas
características, no City vamos aguardar para ver. O tempo de treino que vai ter
entre jogos, ou que neste caso não vai ter, não me assusta muito porque ele é
um monstro no treino, operacionaliza as suas ideias como ninguém e, por isso,
não me acredito que ao nível do modelo de jogo vá ter dificuldades em impor a
sua ideia de jogo. O City era a minha escolha para ele, é o clube menos inglês
em Inglaterra e tem o plantel que mais me agrada para as suas mãos. Vai ser
constantemente confrontado com autocarros, mas já é habitual. Tenho
obrigatoriamente que dizer que são os mais fortes candidatos ao título, mesmo
sem saber quase nada do que irá ser o plantel e de como estarão os rivais, mas
Guardiola é Guardiola.
-
O que achas da contratação do Renato Sanches para o Bayern?
JB- Acho que para
o Renato vai ser muito bom, porque vai permitir que evolua numa liga 10x mais
forte que a nossa, em todos os aspetos. Mesmo que não tenha muitos minutos em
campo, vai sempre evoluir muito em treino, em contacto com os melhores. É mais
um estímulo para a sua evolução, e é na dificuldade e no erro que se evolui.
Vai certamente errar muito, vai ser obrigado a pensar e a executar mais rápido,
mas é o que se pede nesta fase. Os valores da transferência são altos, é
factual que ele ainda não vale aquilo tudo, mas cada vez mais se paga o
potencial do jogador e não o que pode render no momento. Se vai ter sucesso?
Não sei, talvez, mas não no imediato. Se vai evoluir e tornar-se melhor do que
era? Sem dúvida alguma, tem potencial para isso. O trabalho do treinador vai
ser fundamental, tenho pena que não apanhe Guardiola.
-
Prognósticos para o Euro?
JB- Vai ser uma
competição a eliminar e isso traz sempre surpresas. Há seleções em que pouca
gente acredita que vão fazer estragos porque se vão apresentar muito bem
trabalhadas. Falo da República Checa, por exemplo, que eliminou a Holanda e que
se apresentou com um jogar muito interessante. Quanto aos favoritos são os
habituais: Alemanha; França; Espanha… O rumo que a competição levar vai
depender muito do sorteio, se seleções fortes se encontrarem em fases precoces
da competição pode ser normal ver outras em fases mais avançadas. Quanto a
Portugal, temos a obrigação de passar em 1º lugar no grupo, é o grupo mais
fraco da competição. Depois disso vai, mais uma vez, depender do sorteio. Se
apanharmos seleções acessíveis podemos ir relativamente longe, mas não me
acredito minimamente que cheguemos perto de ganhar a competição. A minha aposta
vai recair na Alemanha, mas vai ser um Euro cheio de surpresas.
-
Que surpresas consideras terem-se verificado neste ano de futebol do ponto de
vista de clubes?
JB- Cá em
Portugal os destaques vão para o Braga, pela qualidade de jogo. Para o Arouca,
pela classificação final. Para o Porto, por mais uma época fracassada. E por
fim, para o Chaves do Vítor Oliveira, que apesar de não me identificar com a
proposta de jogo, subiu mais uma vez.
Lá fora, felicito o Leicester pelo feito histórico, independentemente de tudo o
que eu goste ou não de ver em campo. Um muito obrigado ao Tuchel e ao Sarri,
pela qualidade que trouxeram ao Dortmund e Nápoles, respetivamente. Grandes
ensinamentos retiro deles os dois. Ao Atlético de Madrid, especialmente ao
Simeone. Não gosto do modelo de jogo, mas amo a forma como os jogadores morrem
por uma ideia comum. Todo o mérito para ele. Também tenho que dar os parabéns
ao Tottenham pelo grande trabalho que o Pochettino fez com um plantel medíocre.
Aliou sempre uma qualidade de jogo cativante a resultados. Para mim, a equipa
que melhor jogou na Barclays. E acho que é tudo, espero não me ter esquecido de
ninguém.
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Equipa do ano da Liga Portuguesa (XI + treinador)
JB- Em 442: Ederson; Layun; Lindelof; Coates;
Bruno César; Adrien; João Mário; Bryan Ruiz; Rafa; Jonas; Slimani
Suplentes:
Miguel Silva; Jardel; Afonso Figueiredo; Renato Sanches; Pizzi; Gaitan;
Mitroglu
Treinador: Jorge
Jesus
Treinador
Adjunto: Paulo Fonseca